Friday, March 25, 2005

A “Revolução Amarela”

O amarelo foi a cor escolhida pelos opositores do Presidente do Quirguistão, Askar Alaev, que ontem entraram no palácio presidencial e edifícios governamentais.

O amarelo junta-se desta forma ao painel de outras cores, como Laranja na Ucrânia e Roxo no Iraque, que simbolizaram revoluções e marcos políticos marcantes na história. Contudo esta é apenas a imagem simbólica da transformação no terreno.

Este levantamento popular surge depois de o Supremo Tribunal do Quirguistão ter considerado “fraudulento” e “ilegítimo” o escrutínio realizado a 27 de Fevereiro e 13 de Março. A população conseguiu que o novo Parlamento, entrado em funções no início da semana, fosse dissolvido e a anterior assembleia legislativa constitui o único órgão legítimo de poder e conservará a sua legitimidade até 14 de Abril.

Em resultado deste sobressalto, o país caiu no caos, submetendo-se a assaltos e pilhagens no centro da capital de Bichkek. A oposição, principal responsável pelo levantamento popular, encabeça o restabelecimento da ordem e promete convocar eleições para breve. O presidente Askar Akaev e sua família, outrora pregadores da nova democracia, estão em fuga em parte incerta.

Perante esta sucessão de acontecimentos é fácil concluir que de uma normal revolução de trata. O descontentamento popular resulta das promessas não cumpridas pelo presidente em fuga desde a sua entrada em 1990. Na altura, o enredo político da Ásia Central era predominado pelo princípio do fim do comunismo da União Soviética, altura ideal para visionários prometerem o céu às populações, na esperança de rapidamente esquecer o flagelo do comunismo. Akaev era considerado o mais liberal das antigas repúblicas soviéticas, criando inclusive o primeiro Parlamento, chamado “Parlamento lendário” pelos quirguizes. Mas Akaev de liberal passou a autoritário e os interesses pessoais e políticos sobrepuseram-se aos interesses do povo, multiplicando-se as rivalidades de um pais polarizado entre Norte e Sul. Em sinal claro de desorientação caiu no erro da tentativa de silenciamento da oposição. Em desespero manda prender Kulov, rival político sério, sob vagas acusações de abuso de poder.

Francis Fukuyama escreveu em «O fim da história e o último homem» que para sobreviver, um regime não precisa de estabelecer uma autoridade legítima sobre a maior parte da população, «uma carência de legitimidade entre a população no seu todo não implica uma crise de legitimidade para o regime, a menos que a descrença comece a corroer as elites próximas do próprio regime, particularmente aquelas que asseguram o monopólio do poder coercivo, como o partido do governo, as forças armadas e a policia». Isto significa que quando se fala numa crise de legitimidade num sistema autoritário, estamos apenas a falar de uma crise no seio das elites, cuja coesão é essencial à eficácia do regime. Ora, na hora da fuga, Akaev deu provas de não ser um ditador autoritário. Deu provas de não possuir o poder do país e nenhuma das «elites» prontificaram-se a protege-lo contra o levantamento. Foi portanto uma manifestação generalizada de um povo unido contra um governo desgovernado. Sem razões e motivações para motivar a sua protecção viu-se na iminência de fugir para evitar a humilhação.

Este tipo de revolução pacifica, semelhante na generalidade ao que aconteceu na Ucrânia para reclamar a vitória de Viktor Iushenko, só é possível quando exigida pelo povo. Fica assim demonstrada a tese de ser a voz do povo a impor a mudança de regime. Exemplo de ser a democracia reivindica pelo cantiga do povo e incompatível quando imposta por fontes externas. Mas será possível em todos os países? Penso que não. Apensar de ser o povo a reclamar a democracia, nem sempre estão reunidas as condições necessárias e o povo nem sempre está preparado para a receber. Assim se passa no Iraque e assim se passará quando se pretender impor algo a alguém. O Iraque é hoje cenário de conflitos entre facções étnicas como sinal da imaturidade para a democracia. Sinal da derrota dos EUA no campo estratégico. O erro dos EUA foi tentar em ambiente surdo por a população a tocar instrumentos novos e desconhecidos.

(Este artigo foi publicado no jornal «Público» em 30.Março.2005)

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